terça-feira, 8 de setembro de 2015

O DISSIDENTE - 3



Depois de inúmeras verificações e procedimentos pelo pessoal de terra, foi autorizada a decolagem. Em seguida, as bolas vermelhas reapareceram como se estivessem caindo. Elas haviam sido lançadas para detectar aeronaves nas proximidades e, com uma resposta favorável, podiam se recolher para serem reutilizadas no futuro. Os motores do porão da nave foram ligados, o som lembrava o de um ônibus. Então, as embreagem foram acionadas e a primeira marcha introduzida, os grande anéis que circulavam a cabina eram postos em movimento. Cada um girava em um sentido, de modo a equilibrar a inércia. Imediatamente, o metal prateado da fuselagem foi se tornando incandescente, como o ferro derretido. Aquela luz avermelhada que ia dos anéis para fora da nave, clareava toda a área do galpão, e o bosque ao redor. A sensação a seguir era a de um elevador, com a nave subindo na vertical.

Era muito estranho, o medo da imponderabilidade era bem maior do que em um avião, no qual você percebe o deslocamento à frente. Aquilo parecia que ia despencar a qualquer momento. A rotação acelerada dos anéis era sentida nas paredes da cabina como vibração de alta frequência, muito desagradável. Quando parecia que os ouvidos iam estourar, a nave parou de subir. Eles estavam no mesmo ponto do mapa, mas a 10 Km de altitude. Era possível ver pelas escotilhas, boa parte da Alemanha sob o tapete negro das medidas de segurança contra bombardeios, salpicada aqui e ali de pequenos clarões das escaramuças na periferia. Foi a cena que Erik lembraria por muitos anos, constantemente. Na sua despedida da Pátria amada, vê-la como em um incêndio de fora para dentro, sendo consumida.



Nesse momento, um zumbido forte começou a perfurar os ouvidos, já recuperados pela pressão atmosférica reajustada. Com as turbinas laterais funcionando, um deslocamento horizontal foi ganhando força, cada vez maior, a ponto de imprensar cada passageiro na sua poltrona. Isso demorou apenas alguns minutos, e as turbinas foram desligadas. A velocidade permanecia alta devido à inércia, para ir diminuindo aos poucos até a nave parar novamente, de novo. Nesse momento, era feita a localização geográfica e a nave girava para o rumo que pretendia tomar, em sua rota de retas quebradas. A finalidade desses movimentos eram descaracterizar o voo de uma aeronave para os radares. Quando amanheceu, Erik soube que pousariam na Noruega, em um bosque isolado de uma região gelada. Haviam feito uma volta enorme para poder despistar os inimigos atentos, e passariam o dia ali, no solo.

Antes deles chegarem, uma nave havia plantado naquele local um reservatório de álcool. Em 1943, Uma usina fora mobilizada, nas proximidades, para atender a essa demanda. E, essa nave percorria diversos pontos, onde outras naves pousariam, para deixar o álcool em depósitos enterrados, levando semanas para concluir o previsto. Outra usina, em Portugal, também produzia combustível para as naves prosseguirem a viagem. Uma terceira usina era na Argentina. O suprimento mais pesado e a maior parte das pessoas designadas para aquela missão foram transportados por submarinos. Todos se encontrariam em um destino intermediário, a ilha Príncipe Eduardo, no oceano Índico Sul, antes de serem conduzidos para a base 211, na Antártica. 


Em 1944, a travessia do Atlântico pelos alemães era realmente um desafio excepcional, pois seriam detectados com facilidade, por radares e sonares. Esta tarefa ficou mais fácil, depois que os aliados decifraram a máquina de criptografia alemã, a Enigma. Agora, britânicos e americanos sabiam com antecedência os movimentos alemães e podiam se preparar. Mesmo assim, meses antes da partida dos Haunebus, 2 submarinos tiveram que fazer o trajeto para a Nova Suábia, com seus Snorkels utilizados ao máximo, de modo a permanecerem submersos, quase toda a viagem. Eles também procuram evitar as rotas usadas pelos comboios aliados.

O clone do U-859, conhecido como Rezessiv, saiu primeiro passando pelos pontos onde os haunebus pousariam mais tarde. Sua missão era orientar a conclusão os trabalhos de mobilização dos meios de reabastecimento. Na segunda parte da viagem, uma  equipe especial seria lançada na Arábia Saudita, para substituir os lingotes de prata, que embarcariam no navio John Barry, por outros de chumbo com revestimento prateado, providenciados por um grupo de apoio local. Enquanto os ingleses levavam a carga falsa, três boias submersíveis foram rebocadas pelo Rezessiv, pelo oceano Índico até as ilhas Príncipe Eduardo, com o metal precioso.


O U-859, que seguiu o seu gêmeo três mês depois, transportava 101 m³ de mercúrio, mas deixou a maior parte no mesmo local onde ficou a prata do Rezessiv. Esse mercúrio era "super leve" (saturado de fluído etéreo) pesando 19 Toneladas. Deixou também todo o estoque de xerum 525 disponível na Alemanha. Depois partiu para o Japão com as restantes 12 toneladas (1 m³), sem preparação alguma, destinadas às fábricas de munição.



Eles estavam nas ilhas Svalbard. Lá é o ponto da Terra, permanentemente habitado, mais próximo do Polo Norte. Apesar de estar sob soberania norueguesa, o arquipélago está sujeito a um regime específico de acesso aos seus recursos naturais pela comunidade internacional, nos termos do Tratado de Svalbard assinado em Paris a 9 de Fevereiro de 1920. O clima tipicamente ártico na região, é amenizado pela corrente do Atlântico Norte, que o deixa temperado.

Ao anoitecer, com a nave reabastecida, Erik pôde acompanhar mais de perto os procedimentos técnicos. O álcool não congela, mas o motor exige um pré funcionamento com benzina para aquecer os dutos de admissão do ar. O giro inicial dos motores para a partida não era obtido com a preciosa carga das baterias, mas com um cartucho de caça. A parte mais interessante, foi a navegação, que não podia se utilizar de bússola ou rádiogoniômetro, como as aeronaves convencionais. Isso porque, com os anéis levitadores girando, estes instrumentos ficam inoperantes. A bússola gira acompanhando os anéis, e não aponta para o Norte. As transmissões de rádio, indo ou vindo seriam absorvidas pela blindagem, mas antes disso sofrem forte interferência eletromagnética. Mesmo outras aeronaves, se estiverem próximas, serão atingidas pela radiação, atrapalhando suas comunicações e até causando panes nos equipamentos elétricos, inclusive parando motores, cujo centelhamento é programado.



Felizmente, os motores dentro dos anéis não sofrem essa interferência. Embora externas, as turbinas pulsejet funcionam por combustão espontânea, apenas no início precisam de ignição.

Para se orientar, o engenheiro de bordo deve ler a bússola com a nave pousada e amarrar o Norte em um giroscópio-goniômetro ou Foucault. Este aparelho não é muito estável e deve ser recalibrado frequentemente. Na impossibilidade de pousar, o recurso disponível é se valer de referências visuais  com uma excelente luneta. Para a localização geográfica, existe no topo da cabina um sextante. Voos entre as nuvens ou sob tempestades são muito complicados. À grande altitude, esses problemas desaparecem, mas as referências visuais, também. Via de regra a nave voa em linha reta, na horizontal. É possível se alterar a direção, desequilibrando a potência das turbinas ou dos motores de giro, mas isso é perigoso durante o deslocamento. A forma mais usual é, depois de perder velocidade, orientar-se, e então girar o haunebu para o lado que deseja ir, reiniciando a viagem. Para se desviar de obstáculos, é melhor aumentar a altitude, o que é feito com mais facilidade que as aeronaves de sustentação aerodinâmica.


Claro que é necessária uma antecedência de acordo com a velocidade, e deve-se evitar cordilheiras elevadas, pelos limites de pressão atmosférica interna, disponíveis no haunebu (10 a 11 km).







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