sábado, 5 de setembro de 2015

O DISSIDENTE - 6



As bases funcionavam como uma unidade militar em campanha. Cada pessoa tem a sua atividade específica, da qual também é professor e fiscal. Mas, além dessa função ainda desenvolve outras, sob a supervisão dos especialistas. Na Antártica, o foco dos interesses era a fonte termal. A exploração e a conservação dela significava a sobrevivência de todos. Além do aquecimento das instalações, e a confecção dos alimentos, graças a ela, se podia cortar os blocos de gelo para a construção dos túneis. A necessidade de substrato com pedras e cimento eram mínimas. Uma descoberta importante também foi o aproveitamento da baixíssima temperatura externa para realizar a têmpera do Leischmetall, tornando essa liga tão resistente quanto leve.

Boa parte dos itens de manutenção das máquinas, e praticamente tudo em termos de alimentação, saúde e vestuário podiam ser comprados com a prata que guardavam, ou deviam ser saqueados em expedições especiais. A capacidade telepática dos áliens veio acrescentar sofisticação e menor risco nas investidas. A abdução de humanos, para melhora genética dos áliens, se intensificou na década de 50, preparando a sua segunda geração, pois na fuga da Alemanha, embarcaram poucas crianças híbridas. O caso Villas Boas, em 1957, ficou famoso algum tempo depois que aconteceu, mas é considerado o primeiro evento desse tipo divulgado pela imprensa.



Na base dos Andes, ainda se podia contar com o reator nuclear de Huemul, que começou a produzir o hidrogênio que serviria de combustível para as novas naves com as turbinas Repulsine. De qualquer maneira havia muita limitação no dia a dia dos alemães, principalmente no quesito vida social. Viver isolado e permanentemente se escondendo do mundo já era bastante difícil de aceitar, mas ainda havia uma submissão psicológica quando os áliens começaram as poderosas sugestões telepáticas com a sua estação transmissora, encravada no vulcão Osorno. Os híbridos que eram sequestrados e trazidos para ajudar nos trabalhos da base, pareciam não ter dificuldades em viver conforme os áliens desejavam, mas os alemães que vieram na fuga e seus filhos tinham muitos problemas.

Em 1987, Erik tinha 55 anos. E, seu filho mais velho, Jürgen, 33. Mas, ele tinha uma filha mais nova, Lygia, com 25. Ela era médica e teve um relacionamento muito próximo com um híbrido, Altahir Adler, com 26. Pelas normas de casamentos impostas pelos áliens, híbridos só devem se casar com híbridas, e Lygia não era. Eles até toleravam que tivessem filhos fora do casamento, mas a filha de Erik não aceitaria essa situação. Altahir também não queria um casamento arranjado.


Lygia e Altahir tinham bons debates filosóficos, mas os dois não entendiam porque eles tinham atitudes inconscientes em desacordo com o que eles mesmos haviam concluído enquanto refletiam. A moça já havia percebido que um tipo de caroço na nuca deles causava interferência em alguns equipamentos médicos. Ele foi voluntário como cobaia, e ela fez uma pequena cirurgia no local, descobrindo um chip. Quando ela tentou retirar a peça inteira, Altahir ficou paralizado e até parou de respirar. Foi necessário reimplantá-lo, com os procedimentos de emergência para salvar sua vida. Mas, foi possível subtrair um enrolamento, que o próprio Altahir verificou depois se tratar de uma antena receptora. Ele se sentiu muito mais coerente depois da cirurgia. A antena recebia instruções telepáticas dos áliens, e agora ele estava livre deles. Lygia precisou de outro médico para repetir a cirurgia na sua própria nuca.


Quando entenderam que, em todas pessoas da base foram implantados chips, em algum momento, sem que soubessem, e que os mais novos eram controlados desde o nascimento para os interesses dos áliens, Altahir e Lygia resolveram desertar. Como  ele era um engenheiro e Filho de um dos pilotos da fuga da Alemanha, teve facilidades funcionais para tentar, por várias vezes, o acionamento das naves, que só os áliens podiam ligar. E, inadvertidamente, acabou causando alguns acidentes com pequenos danos, e sérios incidentes disciplinares. Mas, sendo um idealista, é claro que nunca desistiria. Ele estava decidido a roubar uma nave e, desta vez, tinha desenvolvido uma interface que substituiria a presença de um álien a bordo.



Nessa época, Karlen já estava na base, ele fora trazido para trabalhar três anos antes. E, o avô de Carlos, andava desconfiado de um daqueles jovens alemães, que participaram de sua captura em Farroupilha. Para os áliens, os danos causados pelas tentativas infrutíferas de Altahir para pilotar sozinho, foram considerados acidentais, durante a manutenção normal das naves. Mas, não para o velho alemão, prisioneiro experiente da hospitalidade soviética. 

No momento em que o viu se dirigindo para o aeródromo, Karlen o abordou com a pequena pistola que mantinha escondida no casaco, desde que começou a ver estranhos, que o seguiam pela cidade. Em 1984, ele reagiria pois sabia que ia apodrecer em uma cela, em Israel ou na Rússia, isso se não fosse executado. Mas, os jovens que o detiveram lhe provocaram lembranças do seu passado e ele ficou curioso com a surpreendente nave dos seus compatriotas. Bem, agora ele estava falando sério. E, exigiu que o libertasse da cela onde estava confinado, e o levasse junto. Altahir relutou em desafiar tanto seus algozes, mas achou que não ia fazer muita diferença mesmo. Apenas, alertou Karlen que Lygia também embarcaria, depois que providenciasse a abertura do portão externo.



 O único problema é que o casal não sabia, que eles ainda eram detectados pela peça residual do chip, e identificados enquanto permanecessem nas proximidades. Mal os dois homens entraram na aeródromo, o alarme tocou. Desesperada, no fim do túnel, em direção à liberdade, Lygia nem esperou a aproximação da nave, e tentou acionar o portão ao ouvir as sirenes. Talvez desse tempo para saírem, mas para surpresa da moça, nada funcionava. E, ela viu piscando no painel do Portão:

Flughafen - Diese Zeitpunkt ist unpassenden. - Altahir.

Aeródromo - Este horário é inconveniente - Altahir.

Der Befehl des Tores ist gesperrt - Unbefugt Mitarbeiter - Lygia.

O comando do portão está bloqueado - Funcionário não autorizado - Lygia.

Ela entendeu imediatamente e voltou a alavanca para a posição original. A frase que acusava a sua ação indevida, sumiu do painel na hora!


O alarme era um só, para sinalizar os dois problemas. Ela havia se salvado, mas Altahir continuava junto à nave. Ele não sabia que as sirenes dispararam porque entrou no local em um horário de folga dos mecânicos. Mas, sabia que se tentasse sair do local pelo corredor em que veio, daria de cara com os guardas alertados para a invasão. Ele também sabia que seria o seu fim, se fosse capturado em uma traição. Então puxou Karlen para o elevador de acesso à nave e disse-lhe para impedir aproximação dos guardas, enquanto ele adentrava na cabina e iniciava a decolagem. Só que o painel de comando do piloto não ligou. Os comandos internos da nave estavam bloqueados!


Quando ia descer, já se sentindo perdido, Altahir encontra Karlen que havia subido. O velho engenheiro soube que a nave não funcionaria mesmo, com o alarme ligado. E, antes de travar um tiroteio inútil com a segurança da base, resolveu ajudar aquele que, ainda poderia lhe retribuir um dia. Com a pistola, Karlen se auto infligiu uma coronhada na testa, e chegou sangrando à cabina. Sem saber do que se tratava, Altahir recebe a arma das mãos de Karlen.


- Tome, aponte a arma para mim e vamos descer. Diga que eu o havia ameaçado, mas você conseguiu me dominar.


A façanha heroica de Altahir que foi comemorada pelos guardas, se estendeu a todos. Lygia suspirou aliviada! Temia que o amigo fosse severamente castigado e a envolvesse no mesmo crime de traição.


Karlen passou uma semana na solitária, e depois voltou a trabalhar com sua nova máquina de saturar mercúrio. Altahir teve que fazer um jogo meio-de-campo para acabar com quaisquer desconfianças dos áliens a seu respeito. Ele até se afastou de Lygia, e procurou se aproximar das garotas híbridas, as que menos se interessavam por ele eram as suas preferidas. Isso porque ele planejava participar de alguma missão externa e ir embora para sempre. E, claro, não poderia levar mais ninguém junto com ele.


Karlen acabou desenvolvendo uma doença pulmonar que não tinha cura. Mas, com a ajuda de sua médica, Lygia, ele conseguiu falar com Altahir de novo, para lhe pedir que levasse uma carta de despedida, que fosse enviada ao seu neto Carlos Alberto. Dois anos depois, surge uma oportunidade para Altahir ser incluído, como tripulante, em uma missão técnica na Alemanha. Ele não esquece de pegar a carta com Karlen, que já não saía mais da cama.


Lygia acabou se desinteressando pelo amigo. Diferente dele, ela ainda tinha família. E, além disso, já havia encontrado um outro homem que não era híbrido. Por outro lado, ela havia unido forças em uma missão importante com seu pai. Erik foi eleito chefe do Gruppe von Dissidenten ohne Stift im Nacken (Grupo de dissidentes sem pino na nuca), que defendem a espécie humana de ser suplantada e escravizada pelos áliens.


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